Agradecimentos
Os autores agradecem a CAPES pelo apoio e financiamento da pesquisa.
O enoturismo atualmente é uma realidade na maioria dos países produtores de vinho. Vitivinicultores e suas regiões compreenderam que se trata de uma atividade fundamental no processo de consolidação das marcas, de valorização do terroir, além de ser um importante vetor de desenvolvimento e de implementação de inovações nos chamados territórios do vinho.
O Brasil foi em 2015 o 15° maior produtor mundial de vinhos, porém, em 2016 houve queda brusca na produção devido a fatores climáticos, o que o levou ao 20° lugar, com 1,6 milhões de hectolitros (OIV, 2017). A vitivinicultura no país apresenta distintas configurações, desde o nordeste brasileiro com seu clima semiárido que permite até três colheitas anuais, ao extremo sul do país, no Estado do Rio Grande do Sul, com expressões culturais do bioma pampa. Cada região configura um contexto cultural e enoturístico distinto e o presente trabalho parte da seguinte questão: que produtos turísticos são ofertados nas regiões vinícolas do Brasil e qual a demanda do enoturismo nacional?
Para responder a essa questão, o trabalho tem como objetivo geral apresentar e contextualizar as práticas e experiências enoturísticas atuais ofertadas no país. Especificamente, se propõe a fazer uma caracterização do enoturismo em cada uma das regiões vinícolas brasileiras; analisar pelo viés dos produtos turísticos as práticas de enoturismo no país e estabelecer um marco analítico da realidade do enoturismo no Brasil, com base na literatura apresentada. Metodologicamente o trabalho tem caráter qualitativo e se apoiará em dados produzidos por associações, artigos científicos, revistas do setor vinícola e dados do Ministério do Turismo brasileiro e outros órgãos oficiais vinculados.
Enoturismo: um olhar global
O enoturismo apresenta muitas definições, desde um olhar científico mais criterioso até definições de organizações de envergadura internacional. A Carta Europeia de Enoturismo o define como o “desenvolvimento das atividades turísticas, de ócio e tempo livre, dedicadas ao descobrimento e desfrute cultural e enológico da vinha, do vinho e seu território” (Carta..., 2015). Para Hall et al., (2004, p. 3), “o enoturismo pode ser definido como visitações a vinhedos, vinícolas, festivais de vinhos e vivenciar na prática as características de uma região de uvas e vinhos”. É atividade que pressupõe o deslocamento de pessoas, motivadas pelas propriedades organolépticas e por todo o contexto da degustação e elaboração de vinhos, bem como a apreciação das tradições, cultura, gastronomia e tipicidade dos territórios do vinho. É um fenômeno dotado de subjetividade em que a principal substância é o encontro com quem produz uvas e vinhos (Valduga, 2012).
O enoturismo é uma realidade na maioria dos países produtores de vinho. No contexto europeu, a prática é consolidada na Itália, França, Espanha e Portugal (Castaing, 2007; Darmaillac, 2009; García et al., 2010). É relevante também em países da Oceania, como Austrália e Nova Zelândia (Hall et al., 2004) e nas regiões vinícolas dos Estados Unidos, Chile, Argentina (Schlüter, 2006), Uruguai e no Brasil. A importância da atividade pode ser atestada pelos dados relativos ao fluxo turístico e gastos dos turistas, medidas amplamente utilizadas (Lim, 1997; Li et al., 2005; Chironi e Ingrassia, 2010). O enoturismo espanhol é consolidado nas regiões de Ribera de Duero, La Rioja, La Mancha, Penedés e Priorat e somente a região de Penedés recebeu 430 mil pessoas em 2012 (Consorci, 2015). A região da Galícia tem uma oferta enoturística importante, envolve 20 municípios e 90 vinícolas (Del Río et al, 2014).
Portugal produz vinhos de norte a sul do país e isso se reflete na oferta do enoturismo e da gastronomia, que integram o Plano Estratégico Nacional do Turismo como produtos estratégicos para o desenvolvimento do turismo. O enoturismo é recente no país, iniciou por volta dos anos 1990, porém já conta com 11 rotas estruturadas. Em termos de procura internacional, o Reino Unido e a França são os mercados com maior peso na procura, seguidos do Brasil, Espanha e Alemanha (Seguro e Sarmento, 2014).
A França tem regiões consolidadas no enoturismo como Champagne, Bordeaux, Borgonha, Alsácia, Vale do Loire entre outras. A atividade é recente no país e remete aos anos 1990, a exceção da Borgonha que criou em 1934 a Route des Grands Crus, o primeiro roteiro enogastronômico da França (Laferté, 2002; Darmaillac, 2009). A oferta francesa tem mais de 5.000 vinícolas abertas ao público e 82% dos enoturistas são europeus e dos países importadores de vinho francês. O mercado do enoturismo pode representar 15% a 20% das vendas das empresas vinícolas na França, o que é considerado venda direta ao consumidor (Darmaillac, 2009).
Na Austrália, em 2009, o enoturismo gerou mais de 200 mil empregos diretos e indiretos. Recebeu naquele ano 660 mil turistas estrangeiros, sendo a Inglaterra o principal país emissor e a Ásia o principal mercado emissor de enoturistas, com 18% do total. Os turistas gastaram AUD$ 7,1 bilhões com enoturismo na Austrália (Tourism..., 2010, WFA, 2014).
No continente americano, a atividade de enoturismo vai ganhando força a partir da consolidação e surgimento de novas regiões vinícolas. Nos Estados Unidos, as regiões vinícolas da Califórnia recebem, anualmente, cerca de 4,5 milhões de turistas e são o segundo maior destino turístico do Estado, ficando somente atrás da Disneylândia. O estado da Califórnia recebe anualmente cerca de 8 milhões de pessoas motivadas pelo enoturismo (Hall et al, 2004). Na América do Sul, Argentina, Chile, Uruguai e Brasil o enoturismo vai se consolidando, com destaque às regiões vinícolas argentinas que receberam, em 2011, 1,2 milhão de turistas, um crescimento de 10,4% em relação a 2010 (Bodegas, 2011). Destaca-se a província de Mendoza, com mais de 843,6 mil turistas e lidera a oferta com 114 vinícolas abertas ao turismo, que representam 64,8% da oferta do enoturismo argentino. A procedência internacional dos turistas, em sua maioria, é composta por brasileiros, seguido pelos dos Estados Unidos, Chile e Canadá (Bodegas, 2011). No Chile, 73 vinícolas estavam abertas ao turismo em 2012 e receberam 503 mil turistas (Servicio..., 2013) e sua maioria são procedentes da Argentina e do Brasil. São números modestos se comparados à representatividade desse setor na economia daquele país, que obteve de receita US$ 1,7 bilhão em 2011 ocupando a quinta colocação entre os maiores exportadores mundiais de vinho (Amcham Chile, 2012).
Esses dados evidenciam a importância que o enoturismo tem para as regiões vinícolas. No entanto, dados são escassos e não existe uma atualização periódica das características da demanda turística em nível internacional. Trata-se de uma área que requer um olhar mais significativo dos gestores públicos e privados das regiões vinícolas. No mesmo sentido, os estudos sobre o enoturismo são recentes e os primeiros datam do início dos anos 1990. No entanto, a expansão do enoturismo no mundo segue acompanhada pelo volume de publicações que abordam o tema. Carlsen (2004) identificou em 2004 mais de 50 estudos relacionados ao tema, porém, criticou a forma pragmática das abordagens, excessivamente estruturadas a partir de estudos de caso e com pouca base teórica.
Contudo, estudos importantes têm sido publicados em diversas vertentes: do ponto de vista evolutivo em regiões vinícolas (Alonso, Sheridan e Scherres, 2008; Alonso, 2009; Alonso e Liu, 2011; Alonso e Liu, 2012, Valduga, 2014); na perspectiva de roteiros enoturísticos, planejamento turístico e imagem dos destinos turísticos (Fuller, 1997; Getz, 2000; Williams, 2001; Bruwer, 2003; Sanders, 2004; Hojman e Jones, 2012; Sartori, Mottironi e Corigliano, 2012); e da perspectiva da demanda e do marketing no turismo do vinho (Leiper e Carlsen, 1998; Getz et al., 1999; Hall et al, 2004; Brow e Getz, 2005; Bruwer e Alant, 2009; Simeon e Sayeed, 2011; Marzo Navarro e Pedraja Iglesias, 2012; Quadri-Felitti e Fiore, 2012; Silva, 2016).
Outra vertente que emerge são os estudos experienciais, fundamentados na chamada Economia da Experiência de Pine II e Gilmore (1998), que vão de encontro ao lado emocional, ao planejamento das experiências turísticas, sensações, inovação e criatividade (Ali-Knight e Carlsen, 2003; Carmichael, 2005; Nowak e Newton, 2006; Roberts e Sparks, 2006; Asero e Patti, 2009; Tonini e Lavandoski, 2011; Quadri-Felitti e Fiore, 2012; Capitello, Begalli e Agnoli, 2013; Bizinelli et al, 2014).
O enoturismo, para além de uma prática existente nas regiões vinícolas, constitui-se num produto em si, comercializado por agências de viagens e operadores turísticos e é disponibilizado ao mercado sob forma de pacotes turísticos com suas experiências inclusas, que são os denominados produtos turísticos. Eles se apresentam como um conglomerado de elementos tangíveis e intangíveis de caráter particular. Entre os elementos tangíveis estão os bens, os recursos, as infraestruturas e os equipamentos; entre os intangíveis, estão os serviços, a gestão, a imagem de marca e o preço (Valls, 1996).
Para que a oferta global dos produtos turísticos se apresente em nível excelente, uma estruturação e hierarquização são fundamentais, isto é, ao redor de um produto turístico principal se encontram produtos periféricos, sem os quais, resultaria impossível estruturar uma experiência, pois eles se caracterizam como infraestruturais (Valls, 2005). Desse modo, o Quadro 01, adaptado de Valls (2004) exemplifica essa estruturação no nível dos produtos turísticos.
Produto Principal | Produto Periférico | Produto Complementar |
Conjunto essencial da experiência buscada e comercializada. | Relacionados a oferta necessária para estruturar o produto principal | Necessários para atender a outras demandas no destino turístico. |
Fonte: Adaptado pelo autor de Valls (2004, p. 32).
A caracterização de Valls (2004) torna-se relevante como mecanismo de hierarquização dos produtos nas regiões vinícolas, que é um dos propósitos do presente trabalho. Do ponto de vista do produto principal, pode ser a experiência integral comercializada como produto por um empreendimento vinícola através de uma agência de viagens, nos famosos “tours”. Tem um preço estabelecido e um tempo de duração, com itens inclusos e outros que podem ser ofertados a parte. Nos produtos periféricos, estariam inclusos os meios para a viabilização dos tours, bem como a alimentação e hospedagem no destino turístico. E os produtos complementares, pode-se incluir, por exemplo, passeios de bicicleta ou atividades de turismo de aventura nas regiões vinícolas, passeios de balão, entre outras atividades que não estão diretamente relacionadas ao produto principal. No entanto, com o passar do tempo, eles podem assumir o caráter de produto principal e ter novos produtos periféricos e complementares ao seu redor.
Breve histórico do enoturismo no Brasil
A vitivinicultura brasileira apresentou uma descentralização nos últimos 20 anos. Antes concentrada principalmente na região sul do país, ampliou as suas fronteiras a outros territórios. Conforme exposto, o Brasil é o 20° produtor mundial de vinhos, segundo a OIV (2017). No ano de 2015, o país foi o 15° produtor e a queda se deu por fatores climáticos como chuvas e geadas em períodos inadequados.
Em praticamente todas as regiões vinícolas brasileiras existem expressões do enoturismo que acompanham as características locais. No entanto, apesar de ser um fenômeno novo tanto no velho quanto no novo mundo, o enoturismo apresenta no país manifestações desde os anos 1930, conforme apontou Valduga (2014).
1ª Fase - Turismo espontâneo na década de 1920: Caracterizado pela busca dos turistas por um clima mais ameno no verão, num movimento chamado de Veraneio na Serra. Esse movimento se deu a partir da instalação da ferrovia em alguns municípios serranos do estado do Rio Grande do Sul, como Veranópolis, Bento Gonçalves e Caxias do Sul.
2ª Fase - Turistificação e burocratização de 1930 a 1970: Os grandes eventos ligados à vitivinicultura foram responsáveis pela turistificação do espaço e pela difusão do vinho como produto regional, cultural e turístico, especialmente nos municípios da Serra Gaúcha, no Estado do Rio Grande do Sul (Bento Gonçalves, Caxias do Sul e Garibaldi). Em Caxias do Sul foi celebrada em 1931 a Festa da Uva, nos moldes das festas italianas e aparece pela primeira vez na imprensa a perspectiva de atrair turistas para a região. O turismo passou a ter uma organização mínima a partir de sua oficialização pelo Estado. Exerceu forte papel o Touring Club, que se caracterizou como um dos agentes centrais do turismo no período. Criação da Festa Nacional do Vinho em Bento Gonçalves no Rio Grande do Sul em 1967.
3ª fase – Período de transição e segmentação de 1970 a 2000: Organização regional da atividade turística, com enoturismo, enogastronomia e atrativos de inverno associados. Período de apogeu e posterior declínio das cooperativas vinícolas e ao final, uma fase de emergência de pequenas vinícolas familiares decorrentes do declínio do modelo cooperativista. Qualificação hoteleira e criação e consolidação de uma série de eventos ligados ao vinho, como a Festa Nacional do Vinho em Bento Gonçalves e a Festa Nacional do Champanha, em Garibaldi.
4ª Fase – Qualificação/expansão dos anos 2000 em diante: Criação das primeiras Indicações Geográficas para vinhos no país, com reforço e resgate das identidades regionais de produção. Enoturismo emerge ancorado na qualificação da produção e consolidação das Indicações Geográficas. Novas regiões vinícolas emergem, como na Metade Sul do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e no Nordeste brasileiro. Novas experiências enoturísticas passam a ser ofertadas, adequadas a realidade das regiões produtoras e à demanda.
Essas fases da vitivinicultura têm apenas um caráter indicativo e não rígido dos eventos decorridos. Certamente muitas atividades coexistiram em fases distintas. No entanto, como a escala do presente estudo é nacional, apresenta-se em linhas gerais uma caracterização das atividades.
O Enoturismo no Rio Grande do Sul
O enoturismo está entre as principais atividades turísticas estaduais e estão distribuídas nas suas regiões vinícolas, conforme mostra o Mapa 01.
Suas referências remetem ao contexto cultural da grande imigração italiana ocorrida na região em fins do Século XIX. Destaca-se no estado a Região da Serra Gaúcha, com mais de 30 mil hectares de vinhedos e mais de 30 municípios produtores. Nesse universo, o principal destino de enoturismo é o Vale dos Vinhedos, única Denominação de Origem para vinhos do Brasil, que teve um crescimento acelerado do enoturismo nos últimos 15 anos. Os dados do crescimento da demanda do enoturismo foram destacados no Gráfico 01.
Houve um crescimento ininterrupto do fluxo de visitantes no Vale dos Vinhedos desde 2001, quando as medições começaram a ser realizadas. O fluxo cresce juntamente com o número de empreendimentos estabelecidos no território, e que são associados na Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale), conforme o Quadro 02.
Categoria de Associado | Quantidade | Total de associados |
Vinícolas | 24 | |
Restaurantes | 15 | |
Meios de hospedagem | 08 | |
Artesanato e produtos locais | 11 | |
Lojas e comércio | 04 | |
Memorial | 01 | |
Agências de Viagens | 02 | |
Indústria de móveis | 01 | |
Indústria de bebidas destiladas | 01 | 67 |
Conforme o Quadro 02 são 67 empresas associadas à Aprovale que compõe parte do produto turístico Vale dos Vinhedos. Além das 24 vinícolas, outras 43 empresas são associadas. Dessas empresas, 04 foram fundadas na década de 1990, 11 foram fundadas entre 1999 e 2005 e 28 empresas foram criadas a partir de 2005, isto é, a menos de 10 anos. Certamente esse fluxo de crescimento empresarial foi consequência da demanda turística no roteiro turístico que é, na atualidade, o principal do Brasil, não pelo fluxo de visitantes, mas por importância no contexto de qualidade do vinho, já que possui a única Denominação de Origem do País.
Entre as experiências de enoturismo ofertadas na região da Serra Gaúcha e que inclui o Vale dos Vinhedos, tem-se as seguintes:
Visitação, degustação e venda: Muitas vinícolas oferecem visitação com explicação dos processos de produção, degustação dos produtos e varejo de venda de vinhos. As visitações, em sua maioria são pagas e os valores variam entre US$ 2.00 e US$ 10.00. Diversas vinícolas oferecem degustações diferenciadas, com taças escuras para favorecer outros sentidos, de olhos vendados ou com harmonização.
Passeios de bicicleta: Pode-se circular pelo Vale dos Vinhedos, especialmente, de bicicleta, embora não existam ciclovias. A área de circulação pode ser de mais de 40 quilômetros e os atrativos são próximos uns dos outros, às vezes a menos de 200 metros. Dois hotéis ofertam bicicletas aos hóspedes e serviço de aluguel.
Trilhas pela mata e vinhedos: especialmente no Vale dos Vinhedos, dois hotéis oferecem trilhas de pequena extensão, de 2 a 4 km que passam por diversas configurações paisagísticas, desde vinhedos a outras culturas agrícolas.
Vinoterapia: um hotel oferece tratamentos vinoterápicos e Spa completo. Nesse mesmo hotel há campo de golf e restaurante de padrão internacional.
Wine Run (meia maratona): ocorre uma vez por ano e congrega um conjunto de atividades associadas, além das corridas de equipes em meio a vinhedos. Paralelamente ocorre uma festa de espumantes, jantares harmonizados e palestras temáticas.
Passeios em carretos agrícolas: carros e tratores adaptados para levar os turistas pelas propriedades vinícolas;
Degustações especiais: degustações de lançamentos de produtos, como vinhos certificados. Essa atividade também é realizada em capitais do Brasil, também como forma de promoção do destino e dos produtos.
Eventos comunitários abertos ao público: anteriormente espaço restrito às comunidades locais, os salões comunitários que antes ficavam fechados em boa parte do ano, atualmente, abrigam pequenos eventos itinerantes como filós italianos, que são encontros ao redor da mesa com cantorias regionais, festas do vinho e do espumante. Contudo, atualmente, turistas e residentes se encontram nos eventos, não sendo mais restritos às comunidades.
Colheita de uvas e pisa: tradicional nas regiões vinícolas mundiais, esse evento é anual e tem duração de janeiro a março, durante o período da colheita.
Colha e pague: atividade em que os turistas colhem as próprias uvas nos vinhedos e pagam pelo que colherem. Essa atividade ocorre em diversas propriedades e vinícolas.
Nas demais regiões vinícolas do Estado do Rio Grande do Sul, situadas na região do extremo sul do Brasil, denominadas de Serra do Sudeste e Campanha Gaúcha (Flores, 2011), existe uma vitivinicultura que foi pioneira no estado e que remete ao século XVII, porém havia sido praticamente abandonada na metade do século XX. Somente foi retomada efetivamente a partir dos últimos 15 anos, com a expansão das empresas localizadas na Serra Gaúcha e que ampliaram as zonas de produção em diversos municípios, conforme expôs o Mapa 01. As regiões da Campanha e Serra do Sudeste estão situadas entre os paralelos 29 e 31, altitudes que variam entre 75 e 420 metros e temperatura média entre 17,6 °C e 20,2 °C. Cerca de 1400 hectares (Melo e Machado, 2008) compõe as regiões vinícolas, que, aos poucos, estão se estruturando para receber enoturistas em suas propriedades (Flores, 2011). A atividade ainda é incipiente, porém emerge ancorada nos pressupostos culturais do bioma regional “pampa”, marcado pela cultura do gaúcho, pelas influências culturais da fronteira com o Uruguai e Argentina, com ovinocultura, criação de gado e cultivo, mais recente, de oliveiras. Tem destaque na região a Vinícola Guatambu, com pressupostos de sustentabilidade em todos os processos da vitivinicultura, protagonista na geração própria de energia elétrica a partir de energia solar. Tem uma estrutura importante para o enoturismo, destacando-se no contexto, com restaurante e espaço para eventos, estrutura de varejo e visitações. Teve um fluxo anual de 5000 enoturistas no ano de 2016, o que permite estimar um fluxo anual nessa região.
O Enoturismo em Santa Catarina
A vitivinicultura de vinhos de qualidade em Santa Catarina é recente e foi desenvolvida nos últimos 15 anos na Serra Catarinense e no meio oeste e oeste do estado, conforme o Mapa 2.
O Estado conta atualmente com 350 hectares de vinhedos, situados a uma altitude entre 900 e 1400m (Borghezan et al, 2014). Nas três regiões, 22 vinícolas produzem vinhos e 14 delas atuam com atividades de enoturismo. Destacam-se as atividades de visitação e degustação dos produtos, com varejo e comercialização, opções de hospedagem junto as vinícolas e a Festa da Vindima realizada anualmente durante a colheita. O fluxo na Festa da Vindima em 2017 foi de 50 mil pessoas e anualmente, nas três regiões, são 5 mil pessoas que circulam motivadas pelo enoturismo. Pode-se estimar, portanto, um fluxo anual de 55 mil pessoas na região. Pode-se dizer que o principal produto ainda está relacionado ao frio e a altitude, e o enoturismo e as demais atividades são periféricas e complementares ainda na região.
Enoturismo no Paraná
A vitivinicultura no Paraná seguiu o fluxo migratório interno brasileiro do final do século XIX, sobretudo com a etnia italiana. Foi descontinuada e nos últimos 10 anos houve uma retomada em três regiões do Estado, conforme o Mapa 3.
Na região metropolitana de Curitiba, capital do Estado do Paraná um polo de vitivinicultura e enoturismo tem se estruturado nos últimos 10 anos. Em 2016 foi criada a Associação das Vinícolas do Paraná - VINOPAR, com 13 empresas associadas. No entanto, apenas uma delas tem vinhedos integrados à propriedade, que é a vinícola Araucária. A oferta de enoturismo envolve atividades de visitação e degustação, visita a vinhedos, hospedagem em meio à uma vinícola e um dos projetos é surpreendente pela sua originalidade. Trata-se da vinícola Cave Colinas de Pedra, que matura espumantes num túnel de trem do período imperial brasileiro, a 65 metros de profundidade em relação a superfície. O túnel, constituído em maciço de granito é situado em meio a Serra do Mar, que é patrimônio ambiental do Estado do Paraná. Pela originalidade do projeto, um trabalho referente foi apresentado no Rencontres du Clos de Vougeot de 2013, tradicional evento científico da Chaire UNESCO Culture et Traditions do Vin (Valduga, Medeiros e Lindner, 2013). A demanda do enoturismo estimado pela Vinopar foi de 10 mil pessoas por ano.
Enoturismo em São Paulo
A vitivinicultura em São Paulo é pioneira no Brasil e existem registros de produção desde 1587, constando no “Tratado Descritivo do Brasil em 1587” (SOUZA, 1587). O mesmo autor faz referência à produção de vinhos da Bahia, no nordeste brasileiro. Não houve grande expansão da vitivinicultura de São Paulo até a chegada dos imigrantes italianos no final do século XIX, que numa tentativa de reterritorialização e incentivados pelo Estado brasileiro com esse propósito, agricultores desenvolveram uma vitivinicultura em fazendas, quintais e pequenas chácaras urbanas. Em São Roque a videira foi introduzida pelo seu fundador Pedro Vaz de Barros em meados do século XVII, por volta de 1655. Em sua fazenda, introduziu mudas importadas e elaborou vinhos para o consumo doméstico (Picena, 1938). Mais recentemente São Roque passou a investir em vinhos de qualidade e em estrutura turística para receber visitantes. O Mapa 4 mostra as áreas de produção no estado.
O fluxo em São Roque é bastante significativo para os padrões brasileiros, com uma demanda turística de 700 mil pessoas por ano. Em sua maioria são enoturistas que se deslocam em grandes grupos, de ônibus, e que fazem as visitações nas vinícolas e usufruem da gastronomia local, que tem como característica a produção de alcachofras. Nos demais municípios o enoturismo é incipiente e não chega a configurar um destino consolidado, predominando a produção de uvas para consumo in natura e exportação.
Enoturismo no Nordeste do Brasil
A vitivinicultura no nordeste brasileiro, conforme consta no Mapa 05, está situada no submédio do Vale do Rio São Francisco, no eixo Petrolina (estado de Pernambuco) – Juazeiro (estado da Bahia).
A atividade é recente e foi iniciada na década de 1980 efetivamente com produção de vinhos. Antes disso havia somente produção de uvas in natura. Está localizada entre os paralelos 8 e 9° S, cujo clima é caracterizado como tropical semiárido, com temperatura média anual de 26° C, pluviosidade de aproximadamente 500 mm, concentrada entre os meses de janeiro a abril, a 330 m de altitude. A vitivinicultura nessa região tem em trono de 700 hectares em produção. Trata-se da única região do mundo que produz uvas o ano todo, sendo possível, dependendo da variedade de uva, colher entre duas e três safras anualmente (Notas Técnicas, 2017). Essa característica é peculiar também do ponto de vista do enoturismo, pois é possível encontrar as diferentes fases das vinhas em qualquer estação do ano, permitindo a multiplicação de experiências turísticas. Do ponto de vista das experiências do enoturismo tem destaque o Vapor do Vinho, um passeio de barco pelo Rio São Francisco com atrações musicais e paradas de degustação, bem como passeios com motos náuticas tendo a paisagem vitícola como cenário. O enoturismo se desenvolve nos municípios de Lagoa Grande, Estado de Pernambuco e Casa Nova, Estado da Bahia, onde estão sediadas as vinícolas da região e a média de demanda anual é de 20 mil enoturistas, segundo a Superintendência do Turismo na Bahia (Bahiatursa).
A Demanda do Enoturismo e os Produtos Turísticos Brasileiros
Diante dos dados levantados, é possível estabelecer uma demanda do enoturismo nacional, embora uma caracterização dessa demanda ainda não seja possível, devido a insuficiência de dados nas regiões vinícolas. Com exceção do Vale dos Vinhedos, praticamente inexistem monitoramentos dos destinos de enoturismo do país. Somando-se os dados, chegou-se ao Quadro 3.
Região Vinícola | Demanda média anual do Enoturismo (2016) |
Serra Gaúcha (com o Vale dos Vinhedos) – Rio Grande do Sul | 1.400.000 |
Campanha Gaúcha e Serra do Sudeste (Rio Grande do Sul) | 5.000 |
Santa Catarina | 55.000 |
São Paulo (São Roque) | 700.000 |
Nordeste (Vale do São Francisco) | 20.000 |
Demanda em 2016 | 2.180.000 |
Pode-se estimar, portanto, que o Brasil tem uma média anual de enoturistas de mais de 2 milhões de pessoas. Evidentemente que só se considerou, neste caso, a demanda interna. Há um fluxo significativo de enoturistas brasileiros que viajam para outras regiões vinícolas, mundiais, sobretudo para as regiões da Argentina, Chile, Estados Unidos e Portugal. A demanda brasileira foi disposta no Mapa 6.
Outras ações emergentes e isoladas no cenário do vinho estão no Estado de Minas Gerais com produção de vinhos finos e pequenas estruturas turísticas para acolhimento de visitantes. No entanto ainda não existem dados de demanda.
Em consulta ao Ministério do Turismo do Brasil e a outro órgão exclusivo de promoção do turismo do país, o Instituto Brasileiro do Turismo (Embratur), apenas matérias isoladas da atividade no país foram encontradas. Não existe uma sistematização da atividade e uma composição como produto para competir no mercado, nem nacionalmente e muito menos internacionalmente. Nas páginas na internet dos órgãos estaduais, sobretudo do Estado do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina existem menções as atividades de enoturismo.
No Estado do Rio Grande do Sul constam 11 roteiros de enoturismo em sua página de promoção do turismo, conforme o Quadro 4.
Fonte consultada | Roteiro |
http://www.turismo.rs.gov.br/inicial | Estrada do SaborVale dos VinhedosCaminhos da Uva e das ÁguasCaminhos do MoscatelRota das Cantinas HistóricasRota dos EspumantesVinhos dos Altos MontesVale do Rio das AntasVale TrentinoVia OrgânicaVinhos e Espumantes do coração do Rio Grande |
A oferta oficial do enoturismo do Estado está concentrada, especialmente, na região da Serra Gaúcha. As regiões do sul do Estado não constam como roteiros ou produtos turísticos ainda na página oficial. Percebe-se, portanto, que a Serra Gaúcha apresenta o enoturismo como produto principal de sua oferta (Valls, 2004).
No Estado de Santa Catarina, sua página oficial apresenta a Serra Catarinense como destino de enoturismo, porém sem estrutura de roteiro e produtos turísticos. Diante do universo de praias presentes no estado de Santa Catarina, pode-se inferir que o enoturismo ainda faz parte da oferta periférica do turismo. O mesmo pode-se dizer de São Paulo e Paraná, onde não é possível ainda encontrar uma organização oficial da atividade institucionalizada pelo Estado. No nordeste brasileiro, a realidade encontrada quanto a oferta oficial é a mesma.
Inexiste no Brasil alguma associação de municípios produtores de vinho como existe na maioria dos países europeus e que possibilite uma organização e certificação do enoturismo do país. Ao mesmo tempo, pouca pesquisa existe ainda sobre a atividade. Em 2017 foi criado o Centro do Patrimônio e Cultura do Vinho – CEPAVIN, junto à Universidade Federal do Rio Grande do Sul e em parceria interinstitucional com a Universidade Federal do Paraná, que tem o seu foco na pesquisa sobre os aspectos culturais da vitivinicultura e no enoturismo. Algumas ações já foram desenvolvidas, no sentido de aglutinar produtores, municípios e fomentar a pesquisa e o desenvolvimento da atividade no país.
Conclusões
O enoturismo em países tradicionais produtores, sobretudo europeus é uma atividade consolidada e ampla. No Brasil, apesar da atividade não ser tão recente e remetendo à primeira metade do século XX, ela sofreu com a consolidação das regiões produtoras de vinhos. Isso fica evidente quando se compara a realidade da oferta do Vale dos Vinhedos, região com a única Denominação de Origem no país, com as demais regiões brasileiras. O Vale dos Vinhedos apresenta ampla estrutura, organizada e se consolida a cada ano. Apresenta dados de demanda com séries histórias. As demais regiões, que se poderia citar como emergentes no contexto dos últimos 15 anos estão em fase de estruturação. A demanda do enoturismo no país fica em torno de 2 milhões de pessoas por ano. Trata-se de uma demanda pequena se analisada no contexto territorial brasileiro, no entanto, pode ser comparada a alguns roteiros consolidados europeus e o Brasil apresenta um mercado interno muito grande para o desenvolvimento da atividade. Verificou-se que existe uma carência de dados e informações muito significativa, pois conhecendo-se a demanda, pode-se direcionar a oferta do enoturismo. Essa carência de dados se dá também em decorrência de poucas pesquisas em nível universitário da atividade no país e de alguns órgãos que se ocupem da sistematização e promoção da atividade. Pode-se citar, por exemplo, a necessidade de criação de centros de pesquisa que dirijam para a cultura e o patrimônio do vinho no país, bem como a criação de associações de municípios produtores, de envergadura regional e nacional, que permita o desenvolvimento de ações integradas da atividade, a exemplo do que ocorre em destinos consolidados na atividade, como Espanha, Portugal, Itália e França