Résumés

As regiões do sudeste brasileiro são tradicionalmente produtoras de café. O interesse pela cultura da Vitis vinifera se deu ao notar a possibilidade de manejar a videira de forma que o seu ciclo fosse modificado para colher nos meses de outono-inverno, que se caracterizam por dias ensolarados, com precipitação baixa e noites frescas, condições que permitem o avanço na maturação das bagas e contribuem para melhor qualidade físico-química das uvas e, consequentemente, do vinho. Esta técnica foi desenvolvida pela Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG) em parceria com empresas privadas, e se observou uma melhor adaptação da Syrah e Sauvignon Blanc sob manejo de dupla poda, embora outras cultivares tintas e brancas estejam em fase de adaptação ao manejo. Os primeiros resultados demonstraram o grande potencial enológico desta região e hoje, os vinhos elaborados a partir de uvas utilizando essa técnica, ganham notoriedade internacional, sendo prestigiados em grandes concursos.

The regions of Brazilian southeastern are traditionally coffee producers. The interest in the culture of Vitis vinifera came from the possibility of the management in the vine so that its cycle was modified to harvest in the autumn-winter months, which are characterized by sunny days with low precipitation and cool nights, conditions that allow the progress in the maturation of berries and contribute to better physical and chemical quality of the grapes and therefore the wine. This technique was developed by EPAMIG (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais) in partnership with private companies, and a better adaptation of Syrah and Sauvignon Blanc with double pruning management was observed. The first results demonstrated the great oenological potential of this region and nowadays, the wines elaborated from grapes using this technique, gain international notoriety, being prestigious in large competitions.

Plan

Texte

Introdução

A viticultura brasileira ocupa uma área de 80 mil hectares, sendo que dos 353 milhões de litros de vinhos e derivados produzidos no ano de 2016, a grande maioria é originada de uvas da espécie Vitis labrusca e seus híbridos. A produção de vinhos de Vitis vinifera resume-se a apenas 19,6 milhões de litros anuais, provenientes basicamente do estado do Rio Grande do Sul, e em menor escala dos estados de Santa Catarina, Bahia, Pernambuco e estados do Sudeste, como Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. A produção nacional de vinhos finos representa somente 17% do consumo interno, sendo o restante importado, principalmente da Argentina, Chile, Portugal e outros países da Europa (UVIBRA, 2017).

A origem desta disparidade entre demanda por vinhos finos e produção nacional encontra-se exatamente na dificuldade de adaptação das cultivares de Vitis vinifera às condições climáticas existentes nas tradicionais regiões vitícolas brasileiras. Em Minas Gerais, e a exemplo do que ocorre com boa parte das regiões vitícolas do sudeste brasileiro, o período de colheita coincide com a época de maior intensidade pluviométrica, motivo responsável pela incompleta maturação das uvas, baixa concentração de açúcares, redução da acidez total, menor síntese de polifenóis e comprometimento da qualidade sanitária dos frutos. Nessas condições, torna-se inviável a obtenção de matéria-prima adequada para elaboração de vinhos finos de qualidade, notadamente de vinhos tintos.

Para a otimização da produção de vinhos finos nessa região tem-se buscado, através de pesquisas, a introdução de novas variedades de videira mais adaptadas, combinações de copa/porta-enxertos e outras técnicas de manejo, como a dupla poda, que permitem expandir a exploração de vinhedos mais produtivos e com boa qualidade. O conceito da dupla poda da videira é recente e permitiu um grande avanço qualitativo dos vinhos do sudeste brasileiro, que têm surpreendido consumidores e especialistas pela qualidade e o potencial reconhecido em diversos concursos internacionais da área enológica.

Produção de uvas viníferas durante o outono-inverno através do manejo da dupla poda

Com o objetivo de alterar a data da colheita, a técnica da dupla poda permite que o desenvolvimento e maturação da uva ocorram durante o outono-inverno, período mais favorável à obtenção de colheitas com índices satisfatórios de qualidade e sanidade. A partir dessa técnica tornou-se possível concentrar a produção dos cachos nos meses de junho a agosto, época em que ocorre brilho solar, noites frescas e solo mais seco devido à escassez de chuvas na região de cultivo (FAVERO et al., 2011; REGINA et al., 2011; DIAS et al., 2012).

No manejo dessa técnica, é realizada uma primeira poda de formação dos ramos em agosto, seguida da eliminação dos cachos. Estes ramos estarão maduros a partir de janeiro, quando uma nova poda é realizada, seguida de aplicação de cianamida hidrogenada para estimular a brotação. As temperaturas médias ambientais do verão, aliadas à existência de água em abundância no solo permitirão o relançamento de um novo ciclo vegetativo da videira, em que a maturação e colheita irão coincidir com os meses de maio a julho, época em que as condições são ideais à maturação e colheita das uvas para elaboração de vinhos de qualidade (Amorim et al, 2005; Favero et al., 2008; Regina et al., 2011).

A Figura 1 ilustra a evolução da temperatura média do ar, intensidade pluviométrica e o ciclo da videira ao longo dos meses do ano para o município de Três Corações, no Estado de Minas Gerais. Pode-se observar que o período chuvoso tem início no mês de outubro e se estende até o mês de abril, período acompanhado pela elevação da temperatura média. Nos meses de junho a agosto verifica-se queda da temperatura e grande redução das chuvas, atingindo volumes mínimos. A Figura 1 ilustra, também, o ciclo vegetativo normal da videira, com apenas uma poda e o ciclo invertido pela técnica da dupla poda. Pode-se observar que o período de colheita coincide com a época mais seca do ano aliada à ocorrência de dias ensolarados e noites frescas, o que favorece a produção de uvas sadias, com alto teor de sólidos solúveis e de polifenóis totais (AMORIM et. al., 2005; FAVERO et al., 2008).

Figura 1. Evolução da temperatura média e precipitação durante o ciclo de produção de uva durante o verão e inverno no município de Três Corações, Minas Gerais.

Figura 1. Evolução da temperatura média e precipitação durante
          o ciclo de produção de uva durante o verão e inverno no município de
          Três Corações, Minas Gerais.

REGINA et al., 2006.

A técnica da dupla poda com colheita de inverno tem se mostrado eficiente no Sul de Minas Gerais para cultivares de Vitis vinifera tintas e brancas, permitindo melhores índices de maturação em relação à safra de verão (MOTA et al., 2010). Das variedades testadas inicialmente, a que mais se adaptou a esta técnica foi a Syrah, que apresentou dados de produção e qualidade compatíveis com a produção comercial de vinhos finos, e superiores àqueles verificados para a mesma cultivar em ciclo de verão (REGINA et al., 2009).

Situada numa região tradicionalmente produtora de café, Três Corações é um dos municípios onde se iniciou o projeto de desenvolvimento vitícola sob o regime de dupla poda com a variedade Syrah. Seu primeiro vinhedo experimental foi instalado em 2001 e primeira colheita ocorreu em julho de 2003, a partir de uma parceria entre a EPAMIG e a Fazenda da Fé, dando origem a expressão “Vinhos de Inverno”. As vinificações experimentais revelaram um alto potencial qualitativo dos vinhos, estimulando a implantação de vinhedos comerciais já a partir do ano de 2004. Seu primeiro vinho foi lançado no mercado em 2013, sendo que, a partir de então, vários outros vinhedos foram instalados, todos eles empregando a técnica da dupla poda.

Favero et al. (2008), avaliando aspectos qualitativos das bagas e do vinho da videira Syrah cultivada em ciclo de verão e inverno em Três Corações, observaram que todos os parâmetros são superiores no ciclo de inverno, apresentando maior concentração de açúcares, menor acidez, maior teor de antocianinas e de polifenóis (Tabela 1). Devido à melhor qualidade da matéria-prima, o vinho de inverno também se mostrou superior ao de verão (Tabela 2).

 

Parâmetro Ciclo de verão Ciclo de inverno
Comprimento do ciclo (dias) 159 183
Fertilidade das gemas (cachos/ramo) 0,86 1,33
Número de cachos por planta 13,0 20,0
Peso médio do cacho (g) 137,0 126,0
Produção (kg/planta) 1,82 2,60
Produtividade estimada (t/ha) 4,8 6,9
Peso da baga (g) 2,16 1,48
Teor de sólidos solúveis (°Brix) 16,6 21,3
Acidez total (meq/L) 112,0 99,5
pH 3,4 3,5
Antocianinas (mg malvidina/g casca) 4,7 7,2
Fenólicos totais (mg ác.gálico/g casca) 12,1 18,5

Fonte: Favero (2007)

 

Parâmetro Verão Inverno
Álcool (% V/V) 10,78 12,55
Acidez total (meq/L) 86,7 82,62
Cinzas (g/L) 1,93 2,97
Potássio (mg/L) 960,7 1.504,9
Antocianinas (mg malvidina/L) 41,09 150,76
Fenólicos totais (g ácido gálico/L) 1,21 1,90
Intensidade de cor (I420 + I520 + I620) 5,68 11,66

Fonte: Favero (2007)

Vinhos de inverno: situação atual e perspectivas

Atualmente, encontram-se implantados em torno de 152 hectares de vinhedos, em regime de dupla poda, distribuídos em diferentes municípios da região do Sudeste, concentrando-se nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, além de alguns vinhedos nas regiões de altitude do Centro-Oeste e Nordeste (Figura 2). A produção média apresentada por essas áreas é 740 toneladas anuais (Tabela 3).

 

Município/Estado Área plantada(ha) Produção(t)
Três Corações (Minas Gerais) 10 50
Três Pontas (Minas Gerais) 15 75
Cordislândia (Minas Gerais) 10 50
Esp. Santo do Pinhal (São Paulo) 52 250
Itobi (São Paulo) 15 75
Andradas (Minas Gerais) 12 50
São Gonçalo do Sapucaí (Minas Gerais) 10 50
São Bento do Sapucaí (São Paulo) 8 40
São S. do Paraíso (Minas Gerais) 5 25
Itaipava (Rio de Janeiro)Mucugé (Bahia) 411 2055
Total 152 740

Figura 2. Mapa da região do Sudeste brasileiro e municípios produtores de vinhos de inverno.

Figura 2. Mapa da região do Sudeste brasileiro e municípios
          produtores de vinhos de inverno.

Outros municípios, como Ribeirão Branco (São Paulo), Baependi (Minas Gerais), Patrocínio (Minas Gerais) e Ribeirão Preto (São Paulo), implantaram vinhedos recentemente, e viticultores já estabelecidos na região devem expandir sua área de produção nos próximos anos. São encontrados também vinhedos comerciais utilizando a técnica da dupla poda nos estados da Bahia e Goiás para produção de vinhos finos de inverno. Nestes lugares, como na maior parte das regiões do Sudeste, as chuvas encerram-se a partir de abril e as temperaturas do ar nesse período permitem a ocorrência de um novo ciclo da videira (TONIETTO et al., 2006).

O clima nas regiões vitícolas do sudeste brasileiro apresenta características de inverno seco, com dias ensolarados e noites de temperaturas amenas, e verão chuvoso, sendo que a altitude média onde se localiza a viticultura é de 900m acima do nível mar.

A busca pela otimização da produção e qualidade dos vinhos de inverno tem levado à execução de novos projetos de pesquisa, buscando introduzir novos cultivares, e ao mesmo tempo testar cultivares tradicionais em diferentes porta-enxertos que possam induzir melhor equilíbrio entre vegetação e produção em regime de dupla poda. Segundo Dias (2017), o uso de porta-enxertos mais vigorosos melhora a produtividade da videira Syrah e também induz uma composição fenólica suficiente, equilíbrio de acidez e álcool na bebida final.

Desde a implantação dos primeiros vinhedos, o vinho de inverno alcançou um avanço excepcional com aumento da área cultivada, número de produtores envolvidos e, principalmente, pela notoriedade dos vinhos produzidos. Diversos prêmios nacionais e internacionais têm sido conquistados e esse reconhecimento tem dado grande espaço ao potencial qualitativo desses vinhos nos diversos veículos de comunicação.

A exemplo do que ocorre nas demais regiões vinícolas do Brasil, tem-se buscado uma identidade regional para os vinhos produzidos no Sudeste do país. Em 2016 foi criada a Associação Nacional de Produtores de Vinhos de Inverno (ANPROVIN) com o objetivo principal de valorização do produto e criação de uma marca coletiva “Vinhos de Inverno” que servirá como base a uma futura Indicação de Procedência (IP), valorizando as tipicidades regionais e com o intuito de oferecer aos consumidores um produto diferenciado, de qualidade superior e contribuir para a vitivinicultura nacional.

Conclusões

O grande potencial enológico do sudeste brasileiro tem sido evidenciado pela qualidade dos vinhos produzidos. A técnica da dupla poda pode ser considerada como uma importante ferramenta para o desenvolvimento da vitivinicultura desta região. Diante disso, novas pesquisas se tornam importantes para a constante expansão de novos pólos vitivinícolas criando diversidade e tipicidade da produção e contribuindo para a qualidade dos vinhos nacionais.

Bibliographie

AMORIM, Daniel Angelucci; FAVERO, Ana Carolina; REGINA, Murillo de Albuquerque. 2005. Produção extemporânea da videira, cultivar Syrah, nas condições do Sul de Minas Gerais. Revista Brasileira de Fruticultura, v.27, n.2, p.327-331.

DIAS, Frederico Alcântara Novelli; MOTA, Renata Vieira; FAVERO, Ana Carolina; PURGATTO, Eduardo; SHIGA, Tânia Misuzu; SOUZA, Claudia Rita; PIMENTEL, Rodrigo Meirelles de Azevedo; REGINA, Murillo de Albuquerque. 2012. Videira 'Syrah' sobre diferentes porta-enxertos em ciclo de inverno no sul de Minas Gerais. Pesq. Agropec. Bras., v. 47, p.208-215.

DIAS, Frederico Alcântara Novelli; MOTA, Renata Vieira; SOUZA, Claudia Rita; PIMENTEL, Rodrigo Meirelles de Azevedo; SOUZA, Laís Cristina; SOUZA, André Luiz;

REGINA, Murillo de Albuquerque. 2017. Rootstock on vine performance and wine quality of ‘Syrah’ under Double pruning management. Scientia Agricola.v.74, p.134-141.

FAVERO, Ana Carolina. 2007. Viabilidade de produção da videira 'Syrah', em ciclo de outono inverno, na região sul de Minas Gerais. Lavras: Universidade Federal de Lavras, 2007.(Dissertação de mestrado).

FAVERO, Ana Carolina; AMORIM, Daniel Angelucci; MOTA, Renata Vieira; SOARES, Ângela Maria; SOUZA, Claudia Rita; REGINA, Murillo de Albuquerque. 2011. Double-pruning of 'Syrah' grapevines: a management strategy to harvest wine grapes during the winter in the Brazilian Southeast. Vitis, v.50, p. 151-158.

MOTA, Renata Vieira; SILVA, Camila Pinheiro Carvalho; FAVERO, Ana Carolina; PURGATTO, Eduardo; SHIGA, Tânia Misuzu; REGINA, Murillo de Albuquerque. 2010. Composição físico-química de uvas para vinho em ciclos de verão e inverno. Revista Brasileira de Fruticultura, v.32, p.1127-1137.

REGINA, Murillo de Albuquerque; AMORIM, Daniel Angelucci; FAVERO, Ana Carolina; MOTA, Renata Vieira; RODRIGUES, D.J. 2006. Novos pólos vitícolas para produção de vinhos finos em Minas Gerais. Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.27, p.111- 118.

REGINA, Murillo de Albuquerque; MOTA, Renata Vieira; AMORIM, Daniel Angelucci. 2009. Vinhos finos: novos horizontes em Minas Gerais. In: EPAMIG [Edição especial], Informe Agropecuário: 35 anos de pesquisa, Belo horizonte, v.30, p.159-167.

REGINA, Murillo de Albuquerque; MOTA, Renata Vieira; SOUZA, Claudia Rita; FAVERO, Ana Carolina. 2011. Viticulture for fine wines in Brazilian Southeast. Acta Hortic., 910, 113-120.

TONIETTO, Jorge; VIANELLO, Rubens Leite; REGINA, Murillo de Albuquerque. 2006. Caracterização macroclimática e potencial enológico de diferentes regiões com vocação vitícola em Minas Gerais. Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.27, p.32- 55.

UVIBRA. Dados estatísticos, 2015. Disponível em: http://www.uvibra.com.br/dados_estatisticos.htm. Acesso em 25/10/2017 .

Illustrations

  • Figura 1. Evolução da temperatura média e precipitação durante           o ciclo de produção de uva durante o verão e inverno no município de           Três Corações, Minas Gerais.

    Figura 1. Evolução da temperatura média e precipitação durante o ciclo de produção de uva durante o verão e inverno no município de Três Corações, Minas Gerais.

    REGINA et al., 2006.

  • Figura 2. Mapa da região do Sudeste brasileiro e municípios           produtores de vinhos de inverno.

    Figura 2. Mapa da região do Sudeste brasileiro e municípios produtores de vinhos de inverno.

Citer cet article

Référence électronique

Luciana Alves Caldeira Brant, Gabriel Machado de Figueredo, Renata Vieira da Mota, Claudia Rita de Souza, Isabela Peregrino, Fernanda de Paula Fernandes et Murillo de Albuquerque Regina, « Vinhos de inverno do sudeste brasileiro », Territoires du vin [En ligne], 9 | 2018, publié le 31 août 2018 et consulté le 22 novembre 2024. Droits d'auteur : Licence CC BY 4.0. URL : http://preo.u-bourgogne.fr/territoiresduvin/index.php?id=1615

Auteurs

Luciana Alves Caldeira Brant

Universidade Federal de Lavras EPaMIG

Gabriel Machado de Figueredo

Universidade Federal de Lavras EPaMIG

Renata Vieira da Mota

Universidade Federal de Lavras EPaMIG

Claudia Rita de Souza

Universidade Federal de Lavras EPaMIG

Isabela Peregrino

Universidade Federal de Lavras EPaMIG

Fernanda de Paula Fernandes

Universidade Federal de Lavras EPaMIG

Murillo de Albuquerque Regina

Universidade Federal de Lavras EPaMIG

Droits d'auteur

Licence CC BY 4.0