Introdução
O setor vitivinícola brasileiro está em ascensão, aumento impulsionado, infelizmente, pela pandemia da COVID-19 em 2020, que estimulou o consumo residencial de vinho e, atualmente, o consumo do vinho no Brasil chega a 2,4 litros per capita1. Esse aumento contribuiu para a alta demanda por garrafas de vidro, principal embalagem utilizada pelo setor devido às suas propriedades únicas2. Segundo Akerman3, para fazer uma garrafa, 70 % de sua composição é areia. Agora, com 80 % de vidro quebrado, seria possível produzir uma nova garrafa, reduzindo o gasto de energia no processo produtivo, economizando o uso de outros componentes, reduzindo espaço em aterros e emitindo menos dióxido de carbono (CO2) na atmosfera4.
As ações de reciclagem de vidro no Brasil ainda são pouco estimuladas, como evidencia o mísero valor de R$0,10 centavos pago por 1 kg de vidro reciclado5. Segundo a OIV6, em 2021 o mundo produziu 260,979 milhões de hectolitros de vinho, sendo Itália, França e Espanha os maiores produtores, respondendo por 53 % da produção global de vinho. Já o Brasil passou da 18ª para a 14ª colocação no ranking mundial7. A Organização Internacional da Vinha e do Vinho - OIV8, órgão de maior autoridade no setor, relatou que em 2020 o Brasil registrou seu maior consumo desde 2000, apresentando um crescimento de 18,4 %.
Os vinhos brasileiros têm expressado sua qualidade e conquistado o consumidor nos últimos anos. Todavia, como contraponto, a alta demanda por vinho nacional fez com que as indústrias vidreiras encontrassem dificuldade em atender o volume de vasilhame de vidro que as vinícolas precisavam para dar vazão a seus produtos9. Souza10 ressalta que o vidro possui papel fundamental para a boa conservação do vinho, sendo a embalagem preferida pela maioria dos consumidores. Para a indústria trata-se de um material inerte e impermeável que não transfere sabor e sabor ao conteúdo, podendo ser retornável e reutilizável11. Entretanto, a pandemia da COVID-19 levou as indústrias vinícolas a embalarem seus produtos em embalagens distintas ao vidro.
Apesar deste material levar 5 mil anos para se decompor, se for destinado de forma adequada, ele pode ser 100 % reciclado, podendo ser processado infinitamente sem perder sua qualidade12. Infelizmente, no Brasil, quando se fala em vidro, a taxa de reciclagem ainda atinge números baixíssimos em relação a outros países, estimando-se que apenas 25 % deste material é reciclado, os outros 74 % são destinados à aterros, aumentando a sobrecarga do local e o custo operacional para as prefeituras13. Na Bélgica, por exemplo, é possível atingir 98 % de aproveitamento de todo o vidro que o país consome. E, segundo a Eurostat14, até 2019 a Bélgica recuperava 100 % de todo vidro consumido no país, diminuindo esta taxa em 2020 para 96,9 %, um valor surpreendente ao que se refere à reciclagem do vidro no país.
A Fundação Ellen MacArthur15, sediada na Ilha de Wight, no Reino Unido, atuante na América Latina, América do Norte, Ásia e Europa, conta atualmente com uma equipe de colaboradores de mais de 25 nacionalidades, especializados em divulgar diversas informações e ações baseadas em economia circular, com destaque para a Europa, que tem se mostrado cada vez mais engajada em ações baseadas neste conceito. Empresas, governos e instituições já começaram a criar iniciativas para colaborar na mudança deste cenário, com a intenção de até 2030 aumentar significativamente o PIB europeu, a renda familiar, além de reduzir pela metade as emissões de CO216.
As últimas notícias da Confederação Nacional da Indústria (CNI), produzidas em colaboração com a base industrial brasileira, indicam que 76,4 % das indústrias estão adotando práticas de economia circular no país17. A América Latina é rica em recursos naturais, biodiversidade e inovação social, o que a torna um importante contribuidor para esta transição. Segundo a Fundação Ellen MacArthur18, a troca de experiências com atores locais, líderes e inovadores dos setores público, privado e acadêmico, a disseminação de exemplos de sucesso são motores para alavancar e consolidar iniciativas sistêmicas com universidades, instituições, governos e cidades acelerando o processo de EC. Além de estimular a comercialização do produto em diversos canais, esses conceitos incentivam a integração e o comprometimento da indústria e dos consumidores com o meio ambiente.
Para Finger19, um especialista e gestor de uma startup de muito sucesso, o mercado de resíduos é uma grande oportunidade de negócio. O mercado movimenta atualmente 80 milhões de toneladas de resíduos sólidos por ano, dos quais apenas 3 % são descartados adequadamente, resultando em um desperdício de R$10 bilhões por ano20. Com base na atual situação do setor vitivinícola em relação ao vidro, se identifica a oportunidade para modelo de negócios inovadores, capazes de estimular práticas de ações baseadas no conceito de Economia Circular (EC) para garrafas de vidro.
Economia linear versus economia circular
O mundo está vivenciando a quarta revolução industrial, também conhecida como indústria 4.0, um conceito que tem por base usar técnicas avançadas como, computação na nuvem, manufatura digital, cibersegurança, manufatura aditiva, inteligência artificial, integração de sistemas, internet das coisas, sistemas de simulação, “big” data, digitalização e robótica. Sendo necessário avaliar quais os impactos que este consumo linear irá causar ao meio ambiente a longo prazo21.
A urgência em mudar este cenário, tem feito com que países buscassem desenvolver ideias de Economia Circular (EC). Na Europa, diversas instituições têm promovido ações para revisar as políticas de resíduos sólidos com base na EC. Já no Brasil, no qual a maior parte de sua economia baseia-se na extração de recursos naturais, seja água, minerais, materiais agrícolas e agropecuários, verifica-se como grande oportunidade, não somente acompanhar discussões sobre o tema, mas refletir em âmbito acadêmico sobre o alcance destas estratégias para o país23. Segundo Magalhães, Cruz e Ascenço24, a EC defende a necessidade de manter os materiais dentro do ciclo produtivo por mais tempo, fator que contribui com ações de diminuição dos impactos ambientais.
Dentro desse contexto, percebe-se que a reciclagem faz parte do conceito de EC, precedida por outros fatores que viabilizam a adequação do sistema de circularidade. Visando mudar o conceito de lixo, mostrando que cada material é aproveitado de forma cíclica, possibilitando sua trajetória do berço ao berço “cradle to cradle”, preservando e transmitindo seu valor. Assim, o novo sistema econômico e social atingirá outro patamar, mudando a forma como as pessoas se relacionam em relação aos resíduos que geram25.
Uma coleção de curadoria da Fundação Ellen MacArthur, apresenta estudos de caso de histórias de sucesso da EC de vários lugares no mundo, demonstrando como empresas, governos e cidades estão mudando a forma como nossa economia funciona, impactando tanto os seres humanos quanto a natureza. Estes dados nos colocam a pensar como planejamos, executamos e utilizamos nossos recursos. Os envolvidos da fundação relataram que até 2050 dois terços da população viverão nas cidades, consumirão 75 % dos recursos e irão gerar 50 % dos resíduos globais, além de contribuírem com 60% das emissões de gases do efeito27.
No setor do vidro, a ABIVIDRO28 ressaltou que o vidro das garrafas e demais embalagens produzidas com este material, é o recurso mais importante para a nova produção de recipientes, sendo considerado o material para embalagem mais amigo da sociedade, se tornando um gerador de aumento das ações voltadas à EC no mundo, além de ser extremamente importante para o setor vitivinícola brasileiro.
A atemporalidade deste material, fez, por exemplo, com que a Europa criasse o Ano Internacional do Vidro das Nações Unidas. Para os europeus, é uma oportunidade de mostrar porque o vidro é um material de escolha para um futuro sustentável30. Por mais de 60 anos, os recipientes de vidro foram reciclados com sucesso por meio de coletas em bancos de garrafas por toda a UE por esquemas de Responsabilidade Estendida do Produtor (EPR). A Federação Europeia de Recipientes de Vidro na Europa31, composta por cerca de 60 membros corporativos, produzindo mais de 80 bilhões de recipientes de vidro por ano, menciona que o vidro recarregável é uma realidade há anos na Europa, sendo a principal embalagem utilizada na venda de diversos produtos em vários países do continente32.
Logística reversa
Segundo Buller33, o conceito de logística evoluiu muito com o passar dos anos. Por muito tempo foi vista como uma atividade totalmente voltada à coordenação da movimentação e armazenagem de produtos finais. Foi de grande importância no período militar devido às demandas das tropas para se deslocar com seus suprimentos em períodos de guerra, assegurando condições que levariam à vitória em uma possível batalha. A importância da logística no meio militar remonta ao século XVIII e ao longo dos séculos “os sistemas logísticos evoluíram e, para a Segunda Guerra Mundial, foi estudada em conjunto com professores de Harvard”34.
Conforme Guarnieri et al.35, a logística era conceituada como o processo de gerenciar estrategicamente a aquisição, movimentação e armazenamento de materiais, peças e produtos acabados, sua organização e dos seus canais de distribuição de modo a poder maximizar a lucratividade da empresa e o atendimento e satisfação dos clientes a baixo custo. E, atualmente, Leite36 define como uma área responsável pelo planejamento, operação e controle dos fluxos reversos de diversas naturezas, satisfazendo a diferentes interesses estratégicos37.
No Brasil, a logística ainda se encontra em fases iniciais de implementação, sendo vista, na maioria dos casos, como responsável, apenas, pelo controle dos fluxos de produtos por meio dos estoques, agindo de forma isolada em diversos segmentos, onde deveria ser interligada. São poucas as organizações onde fornecedores e clientes estão interligados, e esse déficit de evolução, em partes, é causado pela política interna das empresas38.
Se tratando do vidro, na ilustração abaixo é possível entender o ciclo da Logística Reversa (LR) para este material amplamente utilizado no setor vitivinícola mundial.
Empresas modernas verificam que a LR é um meio de se tornarem mais competitivas. Através do pós-venda é possível traçar objetivos estratégicos, pela diferenciação de serviços, recuperação do valor econômico dos produtos, cumprimento da legislação e uma boa imagem para a corporação39. Com isso a LR, como a Economia Circular, são ferramentas para eliminar o desperdício associado a produtos e materiais de embalagens, sendo um incentivo ao uso de materiais que não causem tantos danos ao meio ambiente, bem como conceitos que fomentam a reciclagem dos produtos após seu consumo e o cuidado com ecossistema.
Desafios e oportunidades
O quadro a seguir, sistematiza os principais desafios e oportunidades identificados com a pesquisa até o momento:
DESAFIOS | OPORTUNIDADES |
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Fonte: Elaborado pelos autores, (2023).
Considerações finais e próximos passos
Através do estudo dos conceitos propostos neste trabalho, levantamento de dados sobre a atual situação da reciclagem de garrafas de vidro, bem como importância da mesma para o setor vitivinícola brasileiro, conclui-se como relevante a criação de propostas para encorajar a reciclagem. A continuidade do projeto pretende propor um modelo de negócio comprometido em estimular ações de EC para garrafas de vidro. Parte do modelo de negócio é produto que seja capaz de receber a embalagem de vidro pós consumo e torná-lo apto para ser destinado novamente à indústria vidreira. Algumas associações como a ABIVIDRO40, validam que a reciclagem do vidro vem ganhando mais espaço nos grandes centros, citando como exemplo empresas como a “Glass is Good”, uma recicladora, que reúne os maiores fabricantes de bebida alcoólica do mundo, contribuindo para a destinação adequada do vidro. Dessa forma a proposta deve se somar com alternativas existentes para fortalecer o trabalho no país.